Os líderes tóxicos são a fonte de muitos dos problemas que as nossas organizações sofrem hoje. (Foto: Julien L para Unsplash)
TRABALHO MALDICIONADO! é uma seção onde Olivier Schmouker responde às suas perguntas mais interessantes [et les plus pertinentes] sobre o mundo empresarial moderno… e, claro, as suas deficiências. Marcação para ler o terças feiras e a Quintas-feiras. você quer participar? Envie-nos sua pergunta para [email protected]
P. – “Estou maravilhado. Troquei de empregador para assumir novos desafios profissionais e ganhar mais, mas acabei numa equipe liderada por uma louca delirante, uma espécie de pitbull feminino que aterroriza a todos. Como é que tais líderes ainda existem hoje, quando sabemos, com base em estudos, que nada supera a liderança positiva (benevolente, inclusiva e construtiva)? – Noé
R. – Querida Noa, tenho uma má notícia que devo lhe contar: parece que os líderes tóxicos estão voltando aos nossos locais de trabalho atualmente. Pelo menos é o que tenho notado ao meu redor (infelizmente você não é o primeiro, Noa, a me contar sua consternação) e o que também tem sido notado por diversos meios de comunicação interessados no cotidiano do trabalho, penso em especial de O Atlântico, Fortuna, The Economist e em Tempos Financeiros.
Uma pesquisa recente realizada pelo site de empregos remoto FlexJobs revelou que nos Estados Unidos 87% dos funcionários já foram, uma vez ou outra, confrontados com um gestor tóxico e que 31% o são atualmente. Ou seja, Noa, você vivencia a mesma realidade profissional de 1 em cada 3 colaboradores, o que é bastante surpreendente.
Mas o que exatamente queremos dizer com “tóxico”? As definições variam, mas é razoável dizer que um líder tóxico é alguém arrogante, controlador, inflexível e indiferente às ideias – e até mesmo à situação e às necessidades – dos outros. De acordo com a consultoria de recursos humanos Hogan Assessments, existem três sinais comuns de líderes tóxicos:
– Alguns líderes tóxicos são demasiado cautelosos. Recusam-se a ouvir novas ideias e têm o reflexo de “fazer como sempre fizemos”. Eles proíbem qualquer pessoa de “criar ondas”, pois isso os levaria a um território instável, o que poderia fazer com que perdessem o controle da situação.
– Outros líderes tóxicos, pelo contrário, parecem demasiado fantasiosos. Sendo eles próprios hipercriativos, esperam encontrar a mesma qualidade nos membros da sua equipa. Isto tem um efeito particularmente desestabilizador para aqueles que gostam de regras e quadros de trabalho precisos.
– Outros líderes tóxicos são demasiado ousados. Isto leva-os a recusar-se a reconhecer os seus erros ou erros, a assumir a responsabilidade pelos seus fracassos, por medo de perderem a face. Resultado? A responsabilidade pelos erros recai sistematicamente sobre os outros, o que prejudica o clima de confiança que deve ser forte para que uma equipa possa ser feliz e eficaz.
Agora, não sei se vocês também notaram, mas a imprensa económica internacional trouxe de volta à moda algo que pensávamos ter se tornado coisa do passado: as histórias de sucesso de patrões sem escrúpulos.
Um exemplo marcante é o de Wang Chuanfu, CEO da BYD, a montadora chinesa que está destronando Elon Musk e Tesla no que diz respeito a veículos elétricos. Uma série de artigos recentes elogiam o seu “dinamismo visionário”, “foco na tecnologia”, “política de redução de custos”, “controlo estrito da cadeia de abastecimento”, bem como a sua “firme e implacável”. O seu nível de exigência é “extremamente elevado”, o que o leva nomeadamente a “não acreditar nos absurdos do equilíbrio entre a vida profissional e pessoal”.
Ele é um daqueles chefes dispostos a dormir em um colchão instalado em um canto do escritório se as circunstâncias assim o exigirem e inclinado a esperar o mesmo nível de comprometimento dos funcionários, inclusive daqueles que recebem menos. E em caso de “fraqueza” ou “fracasso”, um funcionário é imediatamente “substituído”, um pouco como se todos fossem apenas um peão no xiangqi, o jogo de xadrez chinês.
Na imprensa e nas escolas de negócios, Wang Chuanfu é hoje visto como um modelo a seguir. Ele representa o arauto daqueles que defendem o bastão em vez da cenoura e, portanto, daqueles que prezam a lógica do esforço inegociável, dos horários intensos, do comprometimento zeloso e da vida consumida pela carreira. Faz brilhar os olhos de quem tem dentes que arranham o chão.
Observe que vários artigos e líderes alinhados com esse estilo de liderança contam com um Best-seller publicado em 2017, intitulado “Princípios: Vida e Trabalho” e assinado por Ray Dialo, o bilionário fundador da Bridgewater Association, um dos principais fundos de investimento do mundo. Isto porque defende, entre outras coisas, a cultura da “transparência radical”, segundo a qual é imperativo reunir regularmente todos os membros da organização, pelo menos os da equipa, para que todos expressem o seu ideias em voz alta, na frente de todos, sem nenhum filtro. E cuidado com quem recusa!
No seu livro “The Fund” publicado em 2023, o jornalista Rob Copeland destaca o facto de que esta prática de gestão, como a maioria dos outros “Princípios” apresentados no livro de Ray Dialo, cria, na verdade, um clima de trabalho de “pesadelo”. Porque muitos colaboradores sofrem, portanto, crises de ansiedade por se sentirem constantemente pressionados, ou até perdem o sono por vivenciarem diariamente o desprezo do chefe e dos colegas, não conseguindo seguir os “Princípios” impostos a todos. É muito simples: os líderes tóxicos nadam neste ambiente como peixes na água, uma vez que “a situação idealmente se presta ao exercício do controlo autocrático”.
Bom. Vamos recapitular. A liderança tóxica hoje em dia tem ídolos como Wang Chuanfu e teóricos como Ray Dialo. Mas isto não é suficiente a priori para explicar o facto de estar em ascensão.
Para entender o que está acontecendo, vamos rever rapidamente os acontecimentos significativos dos últimos anos em termos de gestão e liderança. A pandemia permitiu que muitos de nós descobríssemos e gostássemos do teletrabalho, para desespero dos líderes tóxicos. O entusiasmo entre os trabalhadores era tal que muitos analistas consideraram a tendência irreversível, como Anthony Klotz, o economista que cunhou a expressão “Grande Demissão” referindo-se à vontade firme dos trabalhadores de conciliar melhor a vida profissional e pessoal, mesmo que isso signifique. renunciando para se juntar às fileiras de uma organização preocupada com este ponto. Mas aí está, tudo estava indo um pouco rápido demais e esquecendo a crise econômica que se seguiu à pandemia, impedindo os trabalhadores de se demitirem em massa, como ameaçavam fazer se algum dia recuássemos nos recentes avanços gerenciais em termos de equilíbrio entre profissionais e vida pessoal.
Na verdade, a partir do primeiro trimestre de 2023, empresas como Disney, Amazon e KPMG foram as primeiras a obrigar os seus funcionários a regressar em massa ao escritório. E outros embarcaram sem demora. Não é de surpreender que o regresso forçado ao escritório tenha resultado na possibilidade de os líderes tóxicos serem relegados ao odor da santidade, com as empresas a necessitarem de regressar aos lucros sem demora. Porque, como se sabe, os “pequenos chefes” são perfeitos para resultados de curtíssimo prazo, e era precisamente disso que as empresas precisavam para se manterem acima da água. Regressar à “servidão habitual”, como tão bem diz Grace Lordan, professora de comportamento organizacional na London School of Economics. E agora temos 1 em cada 3 funcionários vivendo sob um líder tóxico…
O que fazer? Várias possibilidades estão disponíveis para você, Noa. Você pode, entre outras coisas, procurar um novo empregador: as estatísticas mostram que 2 em cada 3 funcionários não são liderados por um líder tóxico, então certamente há esperança de encontrar algo melhor em outro lugar do que onde você está atualmente. Você também pode considerar entrar em resistência, recusando-se a tolerar o comportamento tóxico do seu “chefezinho”:
– Não entre em conflito direto com ela. Afirme-se, mantendo-se educado. E concentre-se em suas tarefas. Isso deve permitir atenuar a toxicidade de seu comportamento ou até mesmo, em alguns casos, aniquilá-lo completamente.
– Certifique-se de que suas expectativas sejam claras e precisas. O ideal é que sejam feitos por escrito, como prova, em caso de discrepâncias. Se necessário, assuma a liderança e mostre ao seu chefe o quão bem você executa suas tarefas, com evidências de apoio. Aproveite a oportunidade para iniciar uma discussão sobre seus pontos fortes e áreas de melhoria. Mostre ao seu chefe o que é uma comunicação saudável e construtiva, o que talvez possa encorajá-lo a fazer o mesmo. Quem sabe? Seu chefe pode acabar percebendo seu erro, confiando demais na “radicalidade” de sua liderança…
– Nunca se deixe intimidar e até intervenha caso presencie intimidação do seu chefe. Porque está em jogo a saúde mental de cada pessoa. A este respeito, não se esqueça que existem regras a respeitar na vida em sociedade e que qualquer patrão, por mais impressionante que seja, deve respeitá-las escrupulosamente. Caso contrário, ele poderá ser denunciado aos seus superiores e ficar sob ameaça de demissão em caso de falta grave.
Resumindo, Noa, não perca as esperanças. Um líder tóxico pode mudar para melhor. Caso contrário, o seu empregador acabará, mais cedo ou mais tarde, por perceber que o desempenho da sua organização não é o ideal (aumento da taxa de rotatividade de pessoal, aumento da taxa de absentismo, inovações menos eficientes que as da concorrência, etc.) e que isso acontece em grande parte da toxicidade dos gestores, o que o levará a separar-se deles e a olhar mais de perto os benefícios da liderança positiva. Pelo menos essa é minha crença profunda.
Aliás, a escritora britânica Helen Fielding disse em “Bridget Jones – The Age of Reason”: “Se pararmos de nos preocupar e nos deixarmos levar pelo nosso influxo positivo, como o Zen, as soluções aparecem”.