Isto porque necessitamos do “calor” dos outros, mas se nos aproximarmos demasiado deles corremos o risco de sofrer as suas “picadas”. (Foto: Siem van Woerkom para Unsplash)
TRABALHO MALDICIONADO! é uma seção onde Olivier Schmouker responde às suas perguntas mais interessantes [et les plus pertinentes] sobre o mundo empresarial moderno… e, claro, as suas deficiências. Marcação para ler o terças feiras e a Quintas-feiras. você quer participar? Envie-nos sua pergunta para [email protected]
P. – “Nosso chefe se refere à nossa equipe como “família”. Com isso ele quer dizer que nossos laços devem ser fortes e duradouros, quase para a vida ou para a morte. Mas eu não sinto nada! Não estou procurando uma segunda família. Gosto dos meus colegas, mas não tanto. Existem limites. E justamente por apresentar esses limites (ex.: não participo com frequência do 5@7, preferindo ficar com meus filhos pequenos), me sinto um pouco excluído do grupo. E eu sofro com isso. Como posso acabar com esse desconforto no meu dia a dia profissional? –Annabelle
R. – Querida Annabelle, parece-me que você sofre do chamado dilema do ouriço, que foi trazido à luz pelo filósofo alemão Arthur Schopenhauer e popularizado pelo psicanalista austríaco Sigmund Freud. Para entender bem do que se trata, resumiremos as palavras de Schopenhauer, publicadas em sua obra intitulada “Parerga e Paralipomena”.
Schopenhauer originalmente não falava de ouriços, mas de porcos-espinhos. Ele conta que um belo dia, num clima gelado, um pequeno grupo de porcos-espinhos sentiu necessidade de se amontoar para se aquecer. Mas suas penas os machucavam à medida que se aproximavam dos outros, tanto que foram necessárias várias tentativas para finalmente encontrar um meio termo: uma distância suficiente para ambos colherem um pouco de calor dos outros e não sofrerem muito com suas penas.
“Assim, a necessidade da sociedade, nascida do vazio e da monotonia da sua vida interior, empurra os seres humanos uns para os outros; mas seus muitos modos de ser antipáticos e seus defeitos insuportáveis os dispersam novamente”, observa o filósofo. O nosso desafio perpétuo é, portanto, encontrar a distância certa com aqueles que nos rodeiam, em todas as esferas da nossa vida quotidiana, especialmente no trabalho. Sim, a distância certa, nomeadamente aquela que nos permite ter com eles não só ligações fortes, porque é assim que podem revelar-se fecundas, mas também ligações fracas, porque é assim que podem tornar-se harmoniosas, no sentido de que eles não sufocam nem prejudicam nossa pessoa ou personalidade.
Vemos isso claramente, chegamos – mais uma vez – a este conceito de conectividade que tanto prezo, que afirma que os seres humanos só evoluem de forma saudável se formarem vínculos frutíferos e harmoniosos entre si.
O que resulta disso, Annabelle, é que você está certa ao buscar a distância certa. Você sente que a abordagem “familiar” de seu chefe está minando sua bolha interna, então é natural querer afastá-la um pouco. Dito isto, é igualmente natural querer ainda manter laços por vezes fortes com os membros da sua equipa, porque sabe que esta é a melhor forma de ser produtivo no trabalho.
Esta situação pode parecer paradoxal. Tal como os porcos-espinhos, ou mesmo os ouriços, procuramos uma certa proximidade com os nossos colegas, porque esse contacto nos é necessário, senão vital. Nunca esqueçamos, a este respeito, que somos acima de tudo “animais sociais”, como disse o filósofo grego Aristóteles. Mas, paradoxalmente, quanto mais nos aproximamos, ou quanto mais eles querem chegar de nós, mais corremos o risco de nos machucarmos nas penas deles e sofrermos com isso, como sua chefe, Annabelle, que se mostra um pouco demais invasivo para o seu gosto.
Como encontrar a distância certa? Eis o que Schopenhauer responde: “A distância certa, aquela em que a vida juntos se torna possível, vem da polidez e das boas maneiras. Na Inglaterra, dizemos a quem não respeita: “Mantenha distância”. Ou seja, é apropriado que todos reconheçam e aceitem o outro como são, sem tentar constrangê-los de forma alguma. E isso, mesmo que esteja convencido de que seria para o bem maior do grupo. Porque é disso que se trata mostrar educação e boas maneiras.
A ideia não é tentar encaixar todos no mesmo molde, mas sim adaptar o molde em questão a todos, e até aproveitar para torná-lo um molde ainda mais bonito do que o inicialmente concebido.
O seu chefe deve, portanto, mudar a sua visão do que é um grupo feliz e eficiente no trabalho, a sua visão “familiar” da equipa, para adotar outra, que tenha em conta a realidade da sua equipa existente. Porque é assim mesmo que ele conseguirá ter a equipa que sonha ter, uma equipa verdadeiramente feliz e eficiente. Sim, ele deve se inspirar no pensamento do literato quebequense Noël Audet, extraído de seu livro “A sombra do gavião”: “Ao querer demais uma coisa, acabamos fazendo acontecer o seu oposto”.
Para fazer isso, Annabelle, simplesmente convido você a fazer com que ele leia esta coluna e depois discuta o assunto com ele. Isto deverá permitir-lhe tomar consciência do ponto cego que afecta a sua liderança e tê-lo em conta no futuro. Isto deverá permitir-lhe evitar qualquer risco de acidente e, ao mesmo tempo, melhorar significativamente a sua vida quotidiana no trabalho, Annabelle.